Em uma esquina discreta do Paseo de Recoletos, onde a elegância clássica de Madri se encontra com o pulsar moderno da cidade, ergue-se um palácio que guarda segredos capazes de transcender o tempo. O Museu de Cera de Madri não é apenas um espaço de curiosidades: é um teatro silencioso onde figuras imóveis contam histórias vibrantes. Desde sua inauguração em 1972, o museu tem desafiado a efemeridade da fama, capturando em cera não apenas rostos, mas legados.
Um Palácio que É Parte da História
O edifício que abriga o museu é tão intrigante quanto as figuras que guarda. O Palácio de Goyeneche, construído no século XIX em estilo neobarroco, já foi testemunha de reviravoltas financeiras, debates literários e até conspirações políticas. Suas paredes, adornadas com afrescos que narram mitos gregos, foram restauradas recentemente, revelando detalhes que haviam sido soterrados pelo tempo. Os vitrais art nouveau, que filtram a luz do sol em tons de âmbar e azul, criam uma atmosfera quase sagrada — um contraste deliberado com a irreverência de figuras como Bad Bunny ou os Monty Python, que agora habitam seus salões.

Cena de café em Madri no Museu de Cera de Madrid – Foto por Tamorlan em Wikipedia
A ideia de transformar este palácio em um museu de cera nasceu da mente de Josep Pujadas, um catalão obcecado pela ideia de imortalizar a cultura espanhola em três dimensões. Seu sonho era criar um espaço onde Cervantes pudesse cruzar olhares com Picasso, e onde as gerações futuras pudessem tocar (metaforicamente) os ícones que moldaram seu mundo.
Uma Viagem Através das Eras
Ao adentrar o museu, o visitante é recebido por Miguel de Cervantes, sentado diante de uma escrivaninha repleta de manuscritos rabiscados. A figura, esculpida com minúcia, parece prestes a suspirar diante do peso de criar Dom Quixote. A poucos passos dali, Frida Kahlo desafia a passividade da cera com seu olhar intenso e vestido tradicional, como se cada dobra de tecido carregasse uma história de dor e resistência.
Na Sala dos Inventores, a genialidade ganha forma. Leonardo da Vinci segura os esboços de A Última Ceia com uma expressão de curiosidade inquieta, enquanto Marie Curie observa um tubo de ensaio com a serenidade de quem desvendou os segredos do átomo. É um espaço que celebra não apenas descobertas, mas a coragem de questionar o impossível.
Já o Corredor dos Líderes Mundiais é um retrato da geopolítica em cera. Figuras como Volodymyr Zelenskyy — capturado em trajes militares, com o rosto marcado pela determinação — e Pedro Sánchez, congelado em um diálogo mudo com o rei Felipe VI, revelam como o poder pode ser tanto monumental quanto frágil.
Entre o Glamour e o Terror
Para muitos, o coração do museu bate mais forte no Mundo do Cinema e da Música. Aqui, Antonio Banderas eterniza o charme do Gato de Botas, sua espada prateada brilhando sob holofotes dourados. Poucos metros adiante, Rosalía congela em meio a um movimento de flamenco, suas roupas esvoaçantes capturando a essência do duende andaluz. A música parece ecoar nas paredes, ainda que apenas na imaginação do visitante.
Mas o museu reserva surpresas mais sombrias. Uma escada estreita conduz ao Subsolo do Terror, onde a iluminação é tão estratégica quanto a narrativa. Drácula, agora envolto em projeções 3D que fazem suas sombras dançarem, divide espaço com Annabelle, a boneça maligna cujo olhar parece seguir cada passo. O ar frio, os sussurros distantes e o rangido de portas invisíveis transformam esta seção em uma experiência visceral — um lembrete de que o medo, assim como a fama, é universal.
Tecnologia e Tradição: O Museu no Século XXI
Em anos recentes, o museu abraçou a modernidade sem abandonar seu DNA artesanal. Tablets com realidade aumentada permitem que figuras como Salvador Dalí “ganhem vida”, explicando suas obras enquanto ajustam bigodes surrealistas. Aos sábados, workshops de escultura em cera revelam os bastidores dessa arte centenária, ensinando visitantes a moldar expressões que desafiam a estática.
A exposição temporária “Mujeres Pioneras” (Mulheres Pioneiras) é outra joia contemporânea. Em um salão dedicado, a juíza Ruth Bader Ginsburg ergue-se em sua toga, cercada por livros de leis, enquanto Artemisia Gentileschi, a pintora barroca que desafiou o patriarcado, segura um pincel como quem empunha uma espada. É uma homenagem à coragem que transcende épocas.
Dicas para uma Visita Inesquecível
- Horário Ideal: Evite as manhãs de fim de semana, quando grupos escolares lotam os corredores. O crepúsculo, com a luz dourada filtrando pelos vitrais, é mágico.
- Não Perca: O Café Goya, anexo ao museu, onde churros com chocolate são servidos em xícaras pintadas com cenas de As Meninas.
- Tour Noturno: Aos sábados, lanternas iluminam apenas partes do caminho, transformando o subsolo do terror em uma experiência de imersão total.
Por Que Visitar?
O Museu de Cera de Madri é mais que uma coleção de efígies: é um espelho da humanidade. Em suas salas, crianças riem ao lado de super-heróis, adultos relembram ídolos perdidos e todos, sem exceção, confrontam a fragilidade da existência. É um lugar onde a história não é contada, mas vivida — onde cada figura, por mais imóvel que pareça, sussurra: “Veja o que deixamos para você.”
Seja para encontrar Cervantes, arrepiar-se com Drácula ou simplesmente perder-se na beleza do Palácio de Goyeneche, uma visita aqui é uma jornada através do que nos torna humanos. E, em um mundo cada vez mais volátil, talvez seja exatamente isso que precisamos.