A Espanha é mundialmente conhecida por suas celebrações típicas que atraem tanto nacionais quanto estrangeiros para suas grandes metrópoles como a Semana Santa de Sevilha ou as Fallas de Valencia. Contudo, de norte a sul do país há um interesse de manter presente ou reviver tradições culturais seculares que são importantes seja para a identidade nacional espanhola ou para uma comunidade autônoma específica.
Assim, desde a cidade mais cosmopolita até o pueblo mais longínquo é possível encontrar festas populares com anos de história e recheadas de simbolismo. E este é justamente o caso que veremos hoje sobre o Festival de La Vijanera, uma mascarada (festa de máscaras) de raízes pré-romanas e que desde 2009 é considerada Fiesta de Interés Turístico Nacional.
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Origens da festa
Como normalmente ocorre com festas populares, apontar um início exato para as celebrações é difícil principalmente quando se trata de manifestações culturais com séculos de existência como La Vijanera.
O que se sabe de fato é que suas raízes se concentram na Cantábria e são anteriores à ocupação romana na península, mas para além disso não há muitas certezas. Algumas linhas de estudos apontam para celebrações celtas relacionadas ao solstício de inverno que começavam em dezembro e comemoravam o “renascimento” do Sol bem como a esperança no novo ciclo e na renovação da natureza (lembrando que no hemisfério norte os dias são consideravelmente mais curtos durante o inverno e, passado este solstício, eles vão gradualmente se tornando mais longos até chegar ao seu ápice no verão).
Após o Império Romano ter incorporado a Cantábria como parte de seus domínios, o festival consequentemente incluiu novos elementos. Um dos mais significativos, segundo estudiosos, seria a fusão com as festividades em honra ao deus romano Jano (daí o nome “janeiro” para o primeiro mês do ano). Como Jano era considerado a divindade das mudanças e transições, ele era representado com dois rostos virados para lados opostos o que simbolizaria, entre outras coisas, a dualidade do velho e do novo, do passado e do futuro. Tendo em vista que esta simbologia estava tão alinhada com o objetivo original da festa celta, não é difícil imaginar que um amálgama entre ambas as celebrações pode fluir. De fato, muitos defendem que o próprio nome da festividade seja derivado de Dies Januaria (dia de janeiro) que evoluiu para Dijanera e, por fim, Vijanera.
Renascimento de La Vijanera em Silió
Por conta do advento e expansão do cristianismo na Espanha, festivais de origens pagãs como La Vijanera eram vistos com maus-olhos e, portanto, eram constantemente combatidos pela Igreja durante a Idade Média. Ainda assim, este tipo de festa conseguiu resistir nos vales da Cantábria e se manteve ativa por séculos em Iguña, Anievas, Toranzo, Cieza, Luena e Cinco Villas, sempre contando com participantes usando variados tipos de máscaras a depender do personagem que estavam interpretando.
Infelizmente, com o próprio passar do tempo algumas tradições foram se perdendo e as que continuaram até o século XX encontraram um fim abrupto em 1939 quando se tornaram oficialmente proibidas pelo regime franquista com apoio de autoridades cristãs. Somente no final da década de 1970 a festa foi resgatada por um grupo de jovens da região que tinham o desejo de reavivar esta tradição que ouviram de seus pais.
Em 1981 a primeira Vijanera da atualidade foi realizada, embora tenha ocorrido na época do verão e ainda sem os principais traços culturais que caracterizava a festa original. Foi somente em janeiro de 1982 que o renascimento de La Vijanera, de acordo com os moldes tradicionais, realmente se concretizou no pueblo de Silió, sendo até hoje o único local onde ela ainda se mantém e, justamente por isso, é considerada uma joia rara que se tornou Fiesta de Interés Turístico Nacional em 2009. Vale pontuar que existem festas mascaradas em outras partes da Espanha e da Europa, mas nesta região da Cantábria esta é a única que ainda permanece viva.
La Vijanera dura apenas um dia e é comemorada todo primeiro domingo de janeiro. Caso a data coincida com a virada do Ano Novo, excepcionalmente a festa é transferida para o domingo da semana seguinte. La Vijanera sofreu um breve hiato de dois anos por causa da pandemia de covid-19, mas em 2023 ela regressou com força total.
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Atos principais
La Vijanera começa desde muito cedo e conta com diferentes atos ao longo do dia com o intuito de dar as boas-vindas ao novo ano que se inicia ao mesmo tempo que busca espantar maus espíritos e energias negativas. De toda a celebração, seus atos mais significativos são:
Los campanos: na escuridão, entre as 6 e 7 da manhã, os campaneros vão despertando o pueblo para as festividades ao tocar de um a dois sinos
Salida: depois de estarem reunidos em pontos específicos, a população sai junto com os campaneros ao longo do pueblo, momento este em que outros personagens se juntam ao cortejo
Captura del oso: no folclore local, o urso é apresentado como uma alegoria para o mal e, portanto, sua captura pode também ser interpretada como uma vitória do bem
Defensa de la raya: este é um dos momentos mais importantes de todo o evento que acontece quando o cortejo chega aos limites do pueblo. Relembrando tempos passados, os participantes promovem uma dança de aproximadamente 15 minutos que representa justamente o seu desejo pela defesa de Silió
Las coplas: momento cômico da festa. Ocorre nas primeiras horas da tarde quando se relembra os principais acontecimentos do ano anterior de forma satírica
El parto de la preñá: encenação em que uma personagem dá à luz a um novo ser. Simbolicamente, pode-se interpretar como a chegada do ano novo, mas para além disso este ato também tem um propósito cômico, já que a surpresa é saber o que vai sair da preñá em cada nova edição
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Personagens e seus simbolismos
Além dos atos propriamente ditos, La Vijanera de Silió é também cheia de personagens bem característicos como os apresentados a seguir:
Dançarinos brancos e negros: responsáveis por abrir o cortejo, surpreendendo a plateia com giros, saltos e piruetas
Zarramacos: comitiva formada por vários participantes, levam sinos em suas roupas e são considerados os guerreiros do bem
Los Viejos: um casal com máscara de idosos que representam justamente a passagem do tempo e simbolizam o ano anterior bem como a natural “morte” do velho para o nascimento do novo
Los Caballeros: desde os primórdios na região, o cavalo é considerado um animal sagrado. Na festa, eles estão acompanhados dos cavaleiros e podem representar tanto a abundância quanto a viagem das almas/passagem dos mortos
Traperos/ trapajeros: vestidos com a junção de vários trapos de roupas (daí o seu nome), eles têm a função de manter a organização do desfile, mas originalmente também estavam associados a um ritual de tributo à fertilidade
Vídeo promocional: La Vijanera – Silió
Ficou curioso para conhecer mais sobre esta festa tão peculiar? Então dá uma conferida no vídeo promocional abaixo!
Esperamos que tenha gostado do post de hoje. Nos vemos na próxima semana!
¡Hasta luego!