Há mais de quinhentos anos começava a história das Américas como a conhecemos hoje com a chegada das três caravelas de Cristóvão Colombo à ilha de San Salvador, atual Bahamas e conhecida na época por seus nativos como Guanahani. A partir daí, deu-se a colonização das Américas pelos espanhóis. Uma história controversa que gerou um dos povos mais bravos e unidos do mundo. Unidos pela língua castelhana e por sua inconfundível riqueza cultural gerada a partir da mescla dos povos ibéricos com incas, maias, astecas, guaranis e outros tantos que já habitavam estas terras.
Hoje, 23 países fazem parte desta deste contexto hispânico. Nem todos na América, como, por exemplo, as Filipinas, única destes 23 que já não tem o espanhol como língua oficial, mas que há um movimento de retomada desta língua.
O conceito da Hispanidade ressurgiu logo após a retomada da democracia na Espanha com a criação da Cumbre Iberoamericana, ou Conferência Ibero-americana em 1991. Um processo de cooperação entre a Espanha e os países Hispano Americanos e as Filipinas, com diversos investimentos pesados nestes países.
Hoje é uma data para se comemorar a alegria da cultura e relembrar sua história destes que unidos por uma língua tecem a mais vasta identidade deste mundo.
Dia da Hispanidade nas Américas
Enquanto o objetivo da Espanha ao Dia da Hispanidade quer celebrar uma aura compatriota entre os países, nas Américas a história é contada de forma diferente e com necessário revisionismo da história que foi contada e reforçada, principalmente durante seus respectivos períodos ditatoriais.
Em 2016, o jornal El País, fez uma matéria que trouxe distintas perspectivas da Hispanidade nos países latino americanos. Transcrevemos abaixo parte da matéria que você pode ler completa aqui.
Início da transcrição do El País:
Argentina
Por Federico Rivas
Na Argentina não é mais obrigatório saber de cor os nomes das três caravelas do Colombo. Muito menos que o genovês presenteou vidrinhos coloridos aos indígenas que o receberam numa pequena ilha das Antilhas. Mas esses ficaram na cabeça de todos os que frequentaram a escola durante a ditadura militar (1976-1983) e nos primeiros anos da democracia.
Já na década de 1990, o discurso escolar substituiu pouco a pouco o termo “descobrimento” por “encontro de culturas”, sobretudo quando o debate motivado pelos quinto centenário do desembarque de Colombo estimulou todo tipo de corrente revisionista. Mas só em 2010 o 12 de outubro deixou de ser oficialmente chamado de Dia da Raça, por ser “ofensivo e discriminatório”. Um decreto assinado pela presidenta Cristina Fernández de Kirchner em 2010 substitui essa denominação por Dia da Diversidade Cultural Americana.
A troca de nome obrigou ao Estado a mudar os conteúdos escolares obrigatórios. A efeméride atualmente serve para recuperar a memória pré-colombiana, enquanto os detalhes históricos da conquista foram deixados de lado. Em vez de desenharem as caravelas de Colombo, as crianças argentinas agora pintam a wiphala, bandeira multicolorida que representa a diversidade cultural.
Chile
Por Cristian Galegos
A definição do 12 de outubro no Chile é ambígua. Para alguns é o Dia do Descobrimento da América, outros o chamam de Dia da Resistência Indígena e, embora oficialmente se intitule Dia do Encontro de Dois Mundos, é mais conhecido como Dia da Raça. O que está claro é que ninguém o chama de Dia da Hispanidade nem de Dia de Colombo.
A questão do nome possivelmente fica em segundo plano quando há motivo para um feriado. A forma como as escolas ensinam/comemoram os dias que antecedem a data é pitoresca e folclórica, com eventos e muitos trabalhos escolares sobre o tema. Há, no entanto, dois elementos comuns a todos os estudantes chilenos, ou pelo menos aos estudantes dos anos 1990: o material bibliográfico da Icarito, revista de recortes de história indispensável nas casas chilenas, junto com o célebre livro de História azul da Santillana, e as encenações com fantasias.
A representação da chegada de Colombo é sem dúvida a mais interessante. Lembro como o método das educadoras era simples e não muito engenhoso. Na minha escola, separavam as classes em dois grupos: os indígenas e os espanhóis. Figurino e roteiro não primavam pela sofisticação. Os indígenas eram vestidos com ponchos de lã (complicado nesta época de calor primaveril em Santiago), com uma faixa na cabeça e descalços. Os espanhóis usavam armaduras de cartolina ou papelão, dependendo do orçamento da escola. A espada era essencial.
O menino escolhido para ser Colombo não se parecia em nada com o das fotos da Icarito. As caravelas eram feitas à mão pelas professoras, e tudo isso culminava num espetáculo presenciado pelos pais, no qual as duas partes se enfrentavam numa grande batalha. Até havia a leitura de passagens bíblicas, mas o divertido mesmo era essa luta caricatural pela conquista.
Atualmente, as escolas encaram essa comemoração como um encontro entre as diferentes culturas da região, promovendo encenações com trajes dos diferentes países da América Latina.
Colômbia
Por Sally Palomino
Alguns livros usados antigamente nas escolas primárias da Colômbia precisaram ser retirados de circulação. Embora a história seja a mesma, mudou a maneira de ensinar o descobrimento da América. Parece haver um consenso entre os professores nos últimos anos de que a chegada de Colombo representou um “assalto” não só contra a riqueza do país, mas também contra seus costumes e a cultura. A data é celebrada atualmente com o nome de Dia da Raça e destaca o respeito aos indígenas.
Nas escolas, no 12 de outubro já não se enfatiza a conquista, porque no centro do discurso está a exaltação das raízes culturais. Os alunos fazem representações em que narram a vida dos povos e seus costumes. Além disso, na mesma data se celebra o Dia Nacional da Árvore, estabelecido por decreto, e os colégios usam isso como pretexto para falar da riqueza natural. Em alguns deles, os alunos semeiam árvores nesse dia.
Parecem ter ficado para trás as encenações de anos atrás, quando os alunos precisavam se virar para recriar as caravelas Santa María, Pinta e Niña. Agora, os relatos de indígenas (povos cada vez menos numerosos na Colômbia) são o foco da comemoração. A narrativa do “encontro de dois mundos”, mais que a da conquista, parece ter se cristalizado nas aulas de história dada aos colombianos.
Estados Unidos
Por Nicolás Alonso
O poema 1492, que relata as façanhas de Cristóvão Colombo e suas viagens exploratórias, é utilizado por muitas escolas nos Estados Unidos para ensinar às novas gerações como foi a conquista da América. Os versos detalham os descobrimentos de territórios, a presença de nativos e o comércio de ouro.
Mas cada vez mais se questiona no país o relato das aventuras do Colombo, e existe uma crescente divisão entre os que comemoram o legado do explorador e quem o despreza por ter subjugado comunidades indígenas. Em muitas cidades norte-americanas, incluindo Minneapolis e Seattle, o dia deixou de se chamar Columbus Day (Dia de Colombo) e virou Dia dos Indígenas.
O mesmo dilema se apresenta nas salas de aula. Há Estados, como Carolina do Sul e Texas, onde se apresenta uma imagem valente e admirável de Colombo. Mas em outros, como a Califórnia e o Colorado, os professores optam cada vez mais por traçar um retrato mais completo do colonizador, que inclui o tratamento opressivo às populações nativas dos territórios aonde chegou.
México
Por Mónica Cruz
Os livros escolares do equivalente ao ensino fundamental e médio no México descrevem a chegada de Cristóvão Colombo ao continente como o início das expedições espanholas a um novo território, mas também da exploração das populações indígenas e dos recursos naturais na região. Este é um fragmento do livro de História para o sexto ano do ensino fundamental da Secretaria de Educação Pública:
“Como resultado das viagens de exploração do século XVI, os europeus conseguiram uma grande expansão econômica devido ao saque e à exploração dos recursos da América. Isso beneficiou muitos europeus. No entanto, sua chegada ao território representou uma tragédia para muitos povos e culturas. Basta pensar nos milhões de indígenas da América que morreram depois da Conquista espanhola.”
O livro de História I para o segundo ano do ensino médio da Ediciones Castillo (parte do currículo oficial) diz: “O processo que este evento desencadeou durou séculos e tem vários significados segundo o ponto de vista de que se observe. Do ponto de vista europeu, foi uma conquista; do ponto de vista indígena, tratou-se de uma invasão”.
Peru
Por Jacqueline Fowks
As escolas no Peru adotaram o enfoque por competências (aprender a fazer), abandonando os eixos temáticos de ensino, e nessa mudança Cristóvão Colombo parece ter perdido peso na história. Há 35 anos, uma tarefa típica no ensino primário seria desenhá-lo e colori-lo no caderno, acompanhado das três caravelas. “O 12 de outubro é uma data cívica no calendário escolar – como o Dia da Bandeira, a Batalha de Angamos e as festividades pátrias –, mas algumas datas são mais importantes que outras”, diz ao EL PAÍS a diretora de uma escola pública no Cercado de Lima. Não é feriado.
“Quanto a Colombo tudo bem, porque provou que a Terra não era plana e foi uma oportunidade para que conhecessem um novo mundo: esse é o ângulo que se ensina no terceiro ano do primário, quando as crianças têm oito anos. Mas assim como descobrimento é equivalente a Colombo, conquista é igual a espanhóis. Um dos professores diz que os espanhóis vieram para levar tudo embora e nos subjugar”, acrescenta a diretora.
Sob outro ponto de vista, uma aluna do sexto ano (12 anos de idade) numa uma escola bilíngue e particular de Lima recorda que viu o tema quando era pequena, na segunda ou terceira série. “Mas no meu colégio não se comemora o dia nem vemos nada. Foi o início da colonização da América pelos espanhóis, trouxeram cavalos, levaram lhamas, e os espanhóis transformaram o chiclete em um produto que antes não conheciam”, explica.