Quando estamos aprendendo espanhol, nos deparamos com várias semelhanças, mas também consideráveis diferenças em relação ao português, não é mesmo?
Anteriormente nós mostramos aqui no blog da Cultura Espanhola as razões que levaram o espanhol a ser o único idioma no mundo a usar sinais de exclamação e interrogação invertidos no início das frases. Para este mês, vamos nos aprofundar em outra dúvida muito recorrente entre os estudantes: qual é a correta pronúncia das letras “y” e “ll”? Por que frequentemente ouvimos nativos falarem de um modo tão distinto uns dos outros?
É isso que veremos mais no post de hoje!
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O que é yeísmo e como ele funciona na prática?
Como podemos pronunciar os pronomes “eu” (yo) e “ela” (ella)? O correto seria “io” / “eia”, “djo” / “edja” ou ainda “sho” / “esha”? E se são duas letras diferentes, não deveríamos pronunciá-las de formas distintas?
A resposta para estas perguntas não é tão simples ou direta, já que no idioma espanhol existe um fenômeno muito particular conhecido como yeísmo, isto é, um câmbio fonético-fonológico que faz com que as letras “y” e “ll” sejam pronunciadas da mesma forma. É bastante comum na Espanha e na maior parte da América Latina, razão esta que muitos estudiosos acreditam que a diferença original entre as duas letras irá se perder nas próximas gerações.
No caso do “y”, há muitas variações aceitáveis que ocorrem seja por regionalismos ou por preferências pessoais. Assim, palavras como yo (eu), desayuno (café-da-manhã) e yeso (gesso) são normalmente pronunciadas de duas formas:
- Um som de “i” como falamos em português “ioiô”, fazendo com que as pronúncias dos exemplos dados fiquem “io”, “desaiuno” e “ieso”
- Um som de “dj” parecido como se fala o nome “John” em inglês. Para este caso, os exemplos seriam pronunciados como “djo”, “desadjuno” e “djeso”
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Estas são as formas mais comuns, mas há ainda uma terceira variante bem característica da região do Rio da Prata (Argentina e Uruguai) que é conhecida como yeísmo rehilado. Para este caso:
- A pronúncia adquire um som de “x” semelhante como falamos “xodó” no Brasil. Assim, usando novamente os exemplos, a pronúncia das palavras fica “xo”, “desaxuno” e “xeso”
E o que acontece com a letra “ll”? Originalmente o seu som é mais ou menos parecido com o “lh” que temos no Brasil (como quando pronunciamos palavras como rolha ou alho). Ainda há partes do mundo hispanofalante que mantém essa diferença entre o “y” e o “ll”, ou seja, que não adota o yeísmo, mas como pode ser comprovado pelo mapa abaixo, a sua abrangência é consideravelmente menor, mesmo quando são consideradas as zonas mistas.

Mapa do yeísmo no mundo hispanofalante (Fonte: Wikimedia. Autor: Tetrarca85)
Como o yeísmo surgiu no espanhol?
Se originalmente estas duas letras tinham sons distintos, como elas acabaram tendo a mesma sonoridade? Em outras palavras, como surgiu o yeísmo?
Especialistas apontam que, com base em documentos, é possível ter certeza de que o uso do mesmo som para “y” e “ll” já estava presente na língua espanhola desde o século XIV. Embora seja um tanto controverso, alguns acreditam inclusive que o yeísmo já ocorria desde os séculos X ou XI.
Até onde se sabe, os primeiros registros desta variante linguística começaram no norte da península, a qual foi sendo progressivamente transmitida às demais regiões espanholas à medida que a Reconquista Cristã era bem-sucedida. Não deixa de ser curioso esta informação, já que hoje em dia o norte espanhol é um dos lugares em que mais se preserva a diferença entre os sons “y” e “ll”.

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Seja como for, fato é que a expansão do yeísmo atingiu seu pico máximo entre os séculos XV e XVI por conta do período conhecido como Grandes Navegações (ou Era dos Descobrimentos). Tendo em vista que a Andaluzia foi uma das comunidades espanholas que mais se adaptou a esta forma de comunicação e que o porto de Sevilla era a principal saída do Império Espanhol rumo ao continente americano, não é de se surpreender que o yeísmo foi a forma que mais prevaleceu nas Américas.
No caso da Espanha especificamente, a maior transmissão do yeísmo se deveu pelo fato de que a capital do país Madrid também adota esta variante e, naturalmente, influenciou as demais comunidades autônomas. Ainda assim, existem alguns pontos de resistência que buscam manter as devidas diferenças de sonoridade entre “y” e “ll”, principalmente em áreas mais ao norte como Castilla y León, Navarra e Aragón.
No entanto, o yeísmo está sendo cada vez mais optado pelas gerações mais novas. Por isso, é possível que mesmo nestas regiões ela se torne a norma vigente em algum momento no futuro.
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E afinal, qual é o jeito certo?
A resposta mais rápida é: não tem um jeito mais certo do que os outros. Isto porque o espanhol se espalhou por diversos continentes, então é natural que ele passe por modificações.
No caso de falantes nativos, o mais provável é que ele seguirá a forma própria da sua região de origem. Já para os falantes não nativos, é possível escolher qual variante lhes seja mais conveniente (com ou sem yeísmo e também qual tipo de yeísmo). Esta decisão pode ser pautada meramente por um gosto pessoal ou por razões mais práticas (ex. um estrangeiro que decida morar na Argentina ou Uruguai pode vir a adotar o yeísmo rehilado apenas por uma questão de facilidade).

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Por isso, não importa realmente qual forma você decida falar. O único ponto de atenção é não misturar os tipos de yeísmo entre si. Por exemplo, falar “yo” como “djo” e “desayuno” como “desaxuno”. Quando escolher uma variante específica, permaneça nela durante toda a sua fala, beleza?
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Esperamos que tenha gostado do post de hoje e que ele tenha ajudado a esclarecer mais uma dúvida a respeito da língua espanhola. Nos vemos na próxima semana!
¡Abrazos!