Há tempos que a questão acerca da violência nas escolas tem sido tema de debate bem como de preocupação na sociedade. Em todo o planeta, são reportados casos de bullying, intimidações e até mesmo ataques com armas nestes locais que deveriam ser portos seguros para o conhecimento e a cidadania. Tal realidade, contudo, não é uma situação à parte, mas sim uma infeliz consequência da violência que também se observa fora das paredes da escola.
Com vistas a combater esta agressividade bem como buscar formas de convívio mais pacíficas, a comunidade internacional há mais de 20 anos institucionalizou o conceito da cultura de paz, uma abordagem inovadora que busca enaltecer atitudes e valores que promovam a paz, não-violência e a resolução pacífica de conflitos através da educação, diálogo e cooperação entre Estados e pessoas.
Dentre os Estados que se empenharam em desenvolver projetos voltados para este objetivo, a Espanha tem se destacado ao longo dos anos no que se refere à promoção da cultura de paz em seu ambiente educacional. Ainda que esta tarefa não seja fácil e que muitos desafios ainda precisem ser endereçados, fato é que o país tem se tornado uma referência mundial nesta área. Por isso, e considerando que todo dia 21 de setembro é celebrado o Dia Internacional da Paz, vale a pena explorar o que a Espanha tem feito para o progresso deste tema tão importante para a humanidade.
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Dia Internacional da Paz
Em 1981 a Assembleia Geral das Nações Unidas instituiu que a terceira terça-feira de setembro seria declarada “Dia da Paz”, data esta que deveria ser lembrada por meio de eventos e atividades que reforçassem a paz entre as pessoas e as nações. Alguns anos mais tarde em 2001 o órgão estabeleceu que as comemorações do agora “Dia Internacional da Paz” se centrariam especificamente no dia 21 de setembro.
Voltando à década de 1980, é interessante notar que este período foi muito significativo no que se refere a mudanças para a agenda de paz no sistema internacional. Isto porque desde os anos 1950 e 1960 intelectuais debatiam sobre uma nova visão que enxergasse a paz como mais do que a mera ausência de guerra (perspectiva dominante até então por conta do contexto pós-Segunda Guerra e subsequente Guerra Fria).
Assim, a partir dos anos 1980 estas ideias saíram do âmbito acadêmico e se tornaram mais presentes nos corredores e mesas de debate de organizações internacionais como ONU e UNESCO. Uma destas novas concepções foi justamente a cultura de paz.
Cultura de paz
O conceito de cultura de paz dentro do sistema ONU nasceu oficialmente em 1989 quando a UNESCO realizou o Congresso Internacional sobre a Paz na Mente dos Homens na cidade de Yamoussoukro (Costa do Marfim). Partindo de uma iniciativa pessoal do então diretor-geral desta organização, o espanhol Federico Mayor Zaragoza (1987-1999), o evento reuniu representantes estatais e membros da sociedade civil de todo o mundo para debater os novos caminhos para se pensar sobre a paz.
O resultado final deste encontro foi a “Declaração de Yamoussoukro sobre a Paz na Mente dos Homens” em que pela primeira vez uma organização do sistema ONU mencionava a cultura de paz e convidava a comunidade internacional a debater mais profundamente suas bases teóricas bem como encontrar maneiras de colocá-la em prática.
Após anos de debate, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou em 1999 a “Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz”. Até os dias atuais, este é considerado o documento mais importante sobre o tema tanto porque ele trouxe uma definição mais abrangente sobre o conceito de cultura de paz quanto maneiras de colocá-la em prática.
Em poucas palavras, é possível explicar a cultura de paz como um conjunto de valores, atitudes e comportamentos que promovem o respeito à vida e fim da violência através da educação, diálogo e cooperação. Para que isto se concretizasse, a declaração também afirmava que a cultura de paz só conseguiria ser posta em prática se fosse aplicada em oito eixos de atuação:
- Educação
- Desenvolvimento sustentável
- Direitos humanos
- Igualdade entre homens e mulheres
- Participação democrática
- Práticas de compreensão, tolerância e solidariedade
- Comunicação participativa e livre circulação de informação
- Defesa da paz e segurança internacionais
Com a publicação deste documento, a comunidade internacional conseguiu se guiar com muito mais facilidade e assim criar projetos mais eficazes rumo a este objetivo. Entre eles, a Espanha se destaca como um caso interessante de ser analisado.
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Espanha e a cultura de paz
Mesmo antes da publicação da declaração de 1999, a sociedade civil na Espanha já debatia novas formas de pensar a paz bem como as maneiras possíveis de aplicar estes novos conceitos na área da educação.
Por exemplo, o campo conhecido como “educación para la paz” passou a ocupar a mente de pedagogos espanhóis principalmente a partir das décadas de 1920 e 1930. Já em 1964, o poeta, educador e pacifista Llorenç (Lorenzo) Vidal fundou o “Dia Escolar da Não-Violência e da Paz” inspirado pelo movimento de não-violência de Gandhi e que existe até hoje tanto em escolas espanholas quanto de outros países.
Em 1986, o governo de Sevilha juntamente com a unidade espanhola da UNESCO promoveu um encontro internacional com intelectuais de diversas áreas do conhecimento (como biologia, psicologia, antropologia e sociologia) em que debateram se a violência e a guerra eram da própria natureza humana e nada poderia ser feito para mudar isso, como dizia a crença popular. Os membros deste grupo, incluindo o futuro diretor-geral da UNESCO Francisco Mayor, publicaram a “Declaração de Sevilha sobre a Violência” em que atestaram através das pesquisas mais recentes que a biologia não condenava a humanidade a um ciclo de violência sem fim. A guerra, na realidade, se mantém graças a uma base de valores que a sustentam e, portanto, um conjunto de valores que promovam a paz também é igualmente possível de ser ensinado e praticado pela sociedade.
A partir de 1999, tanto a sociedade quanto o governo espanhóis se tornaram mais ativos em implementar a recém-institucionalizada cultura de paz nas suas atividades diárias, especialmente no âmbito escolar. Neste caso em particular, vale a pena conhecer as ações realizadas na comunidade autônoma da Andaluzia, pioneira neste assunto em todo território espanhol.
Red Andaluza “Escuela: Espacio de Paz”
O Red Andaluza “Escuela: Espacio de Paz” é um projeto inovador desenvolvido pelo governo andaluz desde o ano letivo 2002-2003 com base no Plan Andaluz de Educación para la Cultura de Paz y Noviolencia, também de 2002. A ideia principal da iniciativa é que os centros educativos da comunidade se organizem em uma rede que realiza projetos em prol da cultura de paz e compartilha entre si suas experiências de modo a gerar frutos positivos para o ambiente escolar de toda Andaluzia.
Para fazer parte do projeto, é preciso que os centros educativos aprimorem o seu Plano de Convivência e se comprometam a realizar atividades em pelo menos uma das seis categorias a seguir:
- Melhoria da gestão e organização
- Desenvolvimento de participação
- Promoção da convivência, desenvolvimento de valores, atitudes, habilidades e hábitos
- Prevenção de situações de risco para a convivência
- Intervenções paliativas ante condutas contrárias à convivência
- Reeducação e restauração da convivência
Graças ao considerável tempo de existência do projeto, estudos acerca de sua eficiência já foram comprovados. Em 2015, uma pesquisa apontou que 93,8% dos diretores da educação primária acreditavam que o Red Andaluza “Escuela: Espacio de Paz” trouxe um impacto positivo para a convivência escolar das suas instituições, sendo que 86,6% dos diretores da educação secundária compartilhavam da mesma opinião.
Este reconhecimento não se limitou apenas aos participantes do projeto, já que países como Itália, Bulgária e Colômbia demonstraram interessem em reproduzi-lo no seu sistema educativo. Além disso, em 2007 a Comissão Europeia também o classificou entre os dez melhores programas de educação para a paz do bloco europeu.
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Exemplos inspiradores
Tendo em mente os bons frutos desta iniciativa, vamos trazer alguns exemplos da Red Andaluza “Escuela: Espacio de Paz” não somente para apresentar mais sobre o protagonismo da Espanha neste tema, mas também para provar como este tipo de ação é igualmente possível de ser replicado nas escolas brasileiras e ajudá-las na busca por diminuir os assustadores níveis de violência que foram constatados nos últimos anos.
Caso I: CEIP Parque Nueva Granada
Caso II: Hermanas Hospitalarias – Fundación Purísima Concepción
Conteúdo adicional
Se você se interessou por este tema e gostaria de saber mais a respeito, você pode clicar nos links abaixo que levarão para conteúdos adicionais, inclusive para alguns documentos mencionados aqui. Eles estarão em espanhol, então será uma ótima maneira de você conhecer mais sobre a cultura de paz e ainda praticar seu idioma!
- Día Internacional de la Paz – Resolución aprobada por la Asamblea General
- Cultivar una cultura de Paz – Naciones Unidas
- Declaración de Yamusukro sobre la Paz en la Mente de los Hombres
- Declaración Programa de Acción sobre una Cultura de Paz
- Día Escolar de la No-violencia y la Paz (DENIP / DENYP)
- El Manifiesto de Sevilla sobre la Violencia
- Plan Andaluz de Educación para la Cultura de Paz y Noviolencia
- Red Andaluza “Escuela: Espacio de Paz”
- Fundación Cultura de Paz (instituição dedicada à cultura de paz e fundada pelo ex-diretor geral da UNESCO, Federico Mayor)
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Esperamos que tenha gostado do post de hoje sobre as ações da Espanha em prol da cultura de paz nas escolas. Nos vemos na próxima semana!
¡Hasta luego!