Canto e silêncio: A Semana Santa em Zamora | Cultura Espanhola
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Canto e silêncio: A Semana Santa em Zamora

Mais uma vez estamos nos aproximando das celebrações mais aguardadas pelos cristãos ao redor do mundo: a Semana Santa. Se você acompanha o blog da Cultura Espanhola há um tempo sabe que no ano passado nós fizemos um post especial somente para tratar das principais características desta solenidade que toma conta da Espanha de um jeito que não existe igual em nenhum outro lugar do planeta!

Se você não leu aquele texto, recomendamos muito que o confira primeiro antes de prosseguir com este, pois lá nós explicamos em detalhes a simbologia da Semana Santa espanhola, cujas tradições não existem no Brasil a exemplo dos costaleros de pasos/tronos, as confrarias e irmandades, os capirotes, etc.

Para o texto de hoje, vamos nos aprofundar em como a cidade de Zamora celebra a Semana Santa. Além dos aspectos comuns a outras partes do país, esta localidade também possui qualidades únicas, sendo marcada principalmente pelo recolhimento, silêncio e a penitência.

 

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Conhecendo a cidade e sua Semana Santa

Pertencente à comunidade de Castela e Leão, Zamora é a capital da província de mesmo nome que faz divisa com as províncias de León, Valladolid e Salamanca, além da comunidade autônoma da Galicia e de Portugal. Tem uma população em torno de 59 mil habitantes que se distribuem por uma área de aproximadamente 149 km².

De acordo com pesquisas históricas, as primeiras menções da Semana Santa em Zamora datam do século XIII durante a Idade Média e de fato a cidade preserva até hoje muitos elementos que rementem à época medieval não somente em sua arquitetura, mas também no modo como celebra as festividades quaresmais sejam pelas túnicas dos confrades ou pelos cantos gregorianos que embalam algumas de suas procissões mais notáveis.

Canto e silêncio: A Semana Santa em Zamora

Antramir via Wikimedia Commons

Com o intuito de organizar melhor as festividades, as diversas confrarias existentes no município decidiram criar um órgão dedicado a cuidar das atividades direta ou indiretamente relacionadas com a Semana Santa. Surgiu, assim, a primeira Junta de Fomento de la Semana Santa em 22 de abril de 1897. Esta entidade passou por várias reformas bem como dissoluções e retornos até se firmar como a associação tal qual se conhece atualmente em 1924.

De lá para cá, a Semana Santa em Zamora cresceu em magnitude e popularidade, fazendo com que ela fosse considerada Fiesta de Interés Turístico Internacional em 1986 e Bien de Interés Cultural (B.I.C) em 2015. Além destes reconhecimentos, os organizadores do evento também buscam que as festividades sejam incluídas na lista de Patrimônios da Humanidade da UNESCO.

 

Merlú e Barandales

Como mencionado anteriormente, algumas tradições em Zamora são comuns à Semana Santa da Espanha como um todo a exemplo dos imensos andores (tronos/pasos) de Jesus Cristo e da Virgem Maria que desfilam pelas ruas da cidade em procissões que levam horas e atraem milhares de fiéis.

Contudo, em Zamora há algumas particularidades bem interessantes deste período representadas, em especial, por duas figuras icônicas: Merlú e Barandales.

O nome Merlú faz referência a um par de confrades pertencentes à Confraria Jesus Nazareno, sendo que atualmente há seis pares deles. Devidamente trajados com túnicas pretas, cabe a um membro da dupla ficar responsável por tocar o trompete enquanto o outro se encarrega do tambor. Juntos, eles percorrem diferentes bairros de Zamora entoando melodias que têm por função chamar os demais irmãos a participar da procissão de Viernes Santo (Sexta-Feira Santa/ Sexta-Feira da Paixão) que ocorre logo nas primeiras horas do dia. Sua presença também é comum em dias de Assembleia Geral da Confraria com o igual intuito de convocar os confrades para a reunião.

Canto e silêncio: A Semana Santa em Zamora

Horst Goertz via Wikimedia Commons

Já os barandales estão presentes em todas as confrarias da cidade e são membros que se dirigem diretamente ao público, avisando-os do início das procissões graças às badaladas de dois pesados sinos que carregam em cada mão. Suas raízes remontam aos sineiros do século XVI que desempenhavam tarefa semelhante e são tão importantes para a cidade que a própria Junta Pro Semana Santa de Zamora utilizou sua figura para simbolizar o prêmio Barandales de Honor, distinção conferida anualmente a pessoas ou instituições que se destacaram na promoção, organização ou atuação durante a Semana Santa zamorana.

De fato, os Merlús e os Barandales são tão queridos para os habitantes de Zamora que até mesmo estátuas foram erigidas em honra a estes confrades.

 

Procissões: entre o canto e o silêncio

Um dos principais fatores que evidencia a Semana Santa de Zamora em comparação às demais é o seu clima mais austero e introspectivo, no qual as procissões cantadas se equilibram com ocasiões de absoluto silêncio, chegando a ser inacreditável que tal façanha seja alcançada em um lugar onde se reúnem milhares de pessoas.

Canto e silêncio: A Semana Santa em Zamora

Antramir via Wikimedia Commons

Uma das procissões mais aguardadas na cidade é realizada pela Hermandad Penintencial del Santísimo Cristo de la Buena Muerte logo na madrugada do Lunes Santo. O ponto alto acontece quando o cortejo, composto por confrades em vestes brancas e iluminado somente pela luz das velas, se acomoda na Plaza de Santa Lucía para que seu coral performe “Jerusalém, Jerusalém”, um belo cântico em latim composto por Miguel Manzano em 1984.

À meia-noite do Martes Santo é a vez da Hermandad Penitencial de las Siete Palabras fazer sua passeata bem como homenagens ao Cristo crucificado. Seu nome é uma referência direta às setes frases proferidas por Jesus durante sua crucificação de acordo com as escrituras canônicas tal como “Pai, perdoai-os porque eles não sabem o que fazem” e “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Em um determinado ponto do trajeto, a procissão pausa por uns instantes para que sejam feitas a “Reza das Sete Frases” e sua subsequente reflexão, sendo acompanhadas apenas pelo som retumbante dos tambores.

 

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Já em torno das 20h30 do Miércoles Santo, Zamora celebra um dos seus eventos mais aclamados: o Juramento de Silencio performado pela Real Hermandad del Santísimo Cristo de las Injurias ou simplesmente Cofradía del Silencio. Nesta cerimônia, os confrades vestem sua tradicional túnica branca com capirote vermelho (chapéu pontudo cuja origem já foi explicada no último texto sobre a Semana Santa) e, na presença do(a) prefeito(a) de Zamora e do bispo diocesano, realizam o Juramento do Silêncio. Cabe ao sacerdote perguntar oficialmente aos confrades se eles estão dispostos a permanecer calados durante todo o percurso da procissão ao que eles confirmam de joelhos. A procissão da Confraria segue a partir daí com seus integrantes no mais puro silêncio, o qual é cortado esporadicamente pelo toque dos tambores, trompetes e sinos.

Canto e silêncio: A Semana Santa em Zamora

Antramir via Wikimedia Commons

Neste grupo das procissões famosas de Zamora vale mencionar mais duas que ocorrem justamente no Jueves Santo. A primeira é da Cofradía de la Virgen de la Esperanza que sai no período da manhã com um belíssimo andor de Nossa Senhora com um longo manto verde de estrelas bordadas em fios de ouro. O destaque aqui vai não somente para a roupa dos confrades em verde e capirote branco, mas principalmente pelas irmãs da Confraria ou Las Damas que trajam vestidos pretos junto às tradicionais peinetas e mantillas rendadas.

Por fim, a virada do Jueves para o Viernes Santo é tomada pelo poder sublime do canto gregoriano “Miserere” performando pela Penitente Hermandad de Jesús Yacente na Plaza de Viriato. Neste momento de forte espiritualidade e penitência, os confrades contornam a praça em duas colunas de modo a formar um caminho de tochas por onde a estátua de Cristo é conduzida. Definitivamente não é somente uma forte demonstração de fé, mas também um espetáculo para todos os admiradores de música sacra. Abaixo, você também pode conferir um trecho desta procissão tão especial:

 

Canto del Miserere al Yacente, Zamora 2022

 

Um museu para a Semana Santa

Como deu para perceber, apesar de Zamora não ser uma cidade grande isto não a impede de organizar uma linda Semana Santa em toda sua pompa e glória. De fato, é notável o carinho dos zamoranos para com suas comemorações quaresmais, o qual se reflete tanto durante esta época quanto nos demais meses do ano.

Canto e silêncio: A Semana Santa em Zamora

Alexdfez13 via Wikimedia Commons

Tal respeito e homenagem se materializaram devidamente em setembro de 1964 quando se inaugurou o Museu da Semana Santa, até hoje a única instituição deste tipo em toda a Espanha. Lá, são guardados a maioria dos pasos utilizados nas procissões bem como túnicas e objetos das confrarias.

Atualmente o museu está fechado para reformas, mas quando reabrir ele com certeza merece uma visita!

 

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E se você se encantou com a Semana Santa de Zamora, mas ainda gostaria de ver um pouco mais, dá uma olhadinha neste vídeo promocional sobre as festividades que ocorrerão este ano:

 

Semana Santa em Zamora 2024

 

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Esperamos que tenha gostado do post de hoje e conhecido mais sobre as particularidades da Semana Santa em Zamora. Ficou com vontade de conhecer esta cidade histórica? Depois conte para nós!

 

¡Saludos!

Esther Fuentes
Esther Fuentes

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